Por Sandro Medeiros Alves, presidente do SINDAF-SC (Sindicato dos Auditores Estaduais de Finanças Públicas de Santa Catarina) e Marcelo Inocêncio Pereira, Auditor Estadual de Finanças Públicas
Encerramos em 22 de agosto de 2025 o evento “Reforma tributária: você está preparado?”, promovido pelo Conselho Regional de Contabilidade de Santa Catarina (CRC-SC) e pelo SINDAF-SC. A discussão foi necessária e urgente. O Brasil vive a implantação do IVA Dual: a CBS (federal) e o IBS (estadual/municipal) substituirão PIS/Cofins, IPI (em parte), ICMS e ISS, com cobrança no destino. É uma virada histórica que exige ação coordenada das Secretarias de Fazenda e, em especial, dos Auditores de Finanças que operam orçamento, tesouro, contabilidade e prestação de contas.
O que muda e quando?
A Emenda Constitucional 132/2023 redesenhou a tributação do consumo ao instituir CBS e IBS com mesma base, regras de não cumulatividade e crédito amplo, além do Imposto Seletivo para bens e serviços nocivos à saúde e ao meio ambiente. A transição começa em 2026 e vai até 2077, quando o novo modelo estará plenamente vigente. Em 2025, a Lei Complementar 214/2025 detalhou regimes, devoluções a baixa renda (cashback) e diversos pontos operacionais.
A principal ruptura é o princípio do destino: o IBS será cobrado pela soma das alíquotas do Estado e do Município de destino da operação, com critérios definidos em lei complementar (por exemplo, local de entrega ou domicílio do adquirente). Para Estados e Municípios produtores, isto desloca arrecadação para onde ocorre o consumo, exigindo revisão profunda de estratégias de desenvolvimento e de gestão fiscal.
A governança e operação: quem pilota o IBS?
A gestão do IBS caberá a um Comitê Gestor (entidade pública de regime especial, com independência técnica, administrativa e orçamentária) responsável por arrecadar, compensar e distribuir a receita, editar regulamento único e decidir o contencioso administrativo. A composição e as regras de deliberação buscam equilíbrio federativo entre Estados/DF e Municípios.
E os amortecedores e fundos, como funcionarão?
A reforma criou instrumentos para suavizar a transição:
O Cashback para famílias de baixa renda (CadÚnico), com devolução integral de CBS e parcial de IBS em contas de água, luz e gás, com regras que entram em vigor em 2027 (CBS) e 2029 (IBS).
O Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais do ICMS (2025–2032 de aportes; compensações 2029–2032) para mitigar a extinção gradativa de incentivos onerosos e a regulamentação fixa critérios de habilitação e limites.
A instituição da transição por Receita Média: O artigo 131 da Constituição estabelece a Receita Média, que é calculada com base na arrecadação histórica de cada estado e município. Esse mecanismo foi criado para compensar possíveis perdas de receita devido às mudanças na distribuição dos impostos, garantindo estabilidade financeira durante a transição para o novo sistema tributário, que se estenderá até 2077.
Por que isso importa para a gestão fiscal estadual e municipal?
Com o destino no centro, cadeias produtoras de produtos e serviços a outros Estados da federação podem perder parcela de arrecadação própria e ganhar via consumo interno conforme o mix setorial/local. A volatilidade da base no destino exigirá novos modelos de previsão de receita, governança de créditos, e integração de dados para tesouraria, LDO/LOA e prestação de contas.
Além disso, a LC 214/2025 e a arquitetura do “split payment” tendem a automatizar recolhimentos na liquidação financeira, elevando o nível de compliance, mas exigindo atualização de ERPs, cadastros e rotinas de conciliação.
Agenda prática para Secretarias de Fazenda — liderança dos Auditores de Finanças
– Mapear exposição ao destino simulando impactos setoriais (indústria, agro, serviços intensivos em cadeia) sob cenários 2026–2033 e incorporar sensibilidade geográfica (consumo intra vs. extraestado) nas projeções de receita.
– Recalibrar referências que serão perdidas quanto ao planejamento e execução orçamentária, revisar matrizes de elasticidade da receita para PPA/LDO/LOA e adequar metas fiscais e estratégias de caixa ao período de regime híbrido (antigos tributos convivendo com CBS/IBS – 2029 a 2032).
– Preparar a arquitetura tecnológica e compliance considerando a integração com o Comitê Gestor do IBS e com a Receita Federal para nota fiscal eletrônica e cruzamentos de crédito, além de testar cenários de acumulação e ressarcimento de créditos durante a transição.
– Realizar a proteção social e comunicação, organizando a operação do cashback no Estado (público-alvo, cadastros, canais) e exigir do Comitê Gestor a transparência necessária sobre as devoluções.
– Manter capacitação permanente para formar trilhas para Auditores de Finanças Públicas para auxiliar o Estado na transição.
O papel dos Auditores de Finanças (e por que começa por nós)
Na prática diária, somos nós que ligamos os pontos: arrecadação, fluxo de caixa, orçamento, contabilidade, conformidade e prestação de contas. A mudança para o destino altera como a receita chega e quando ela é registrada — e isso impacta metas fiscais, limites da LRF, resultado primário e indicadores de solvência.
Liderar a transição significa antecipar regras e calendários da transição 2026–2033 nas peças de planejamento; padronizar interpretações com base no regulamento único do IBS e acompanhar os atos do Comitê Gestor e STN para reescrever rotinas contábeis e de tesouraria para o período de convivência entre sistemas (ICMS/ISS ↔ IBS; PIS/Cofins ↔ CBS).
Alguns alertas estratégicos para estados e municípios produtores
– A dependência setorial: onde a base atual é puxada por produção, a migração para o destino pode reduzir a arrecadação própria relativa — o ideal seria compensar com atração de consumo, economia do visitante e serviços de alto valor.
– A guerra fiscal é o fim do atalho: benefícios não uniformes perdem espaço; a competição migra para ambiente de negócios, qualificação e logística.
– A Transição será longa, mas o tempo está ao nosso lado por enquanto: a complexidade operacional cresce no regime híbrido e quem estudar e testar cedo (2026–2028) pode reduzir os custos de adaptação e risco de litígio.
Conclusão
A reforma tributária simplifica, mas não simplifica sozinha. O sucesso dependerá da nossa capacidade de planejar com dados, governar créditos, ajustar o orçamento e comunicar com transparência. Os Auditores de Finanças têm a missão e a oportunidade de ajudar a conduzir essa virada para que os recursos cheguem com mais eficiência às políticas públicas.
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